Uma história de amor contada por meio da moda

Luiz e Miranda em 1951
Fonte: Álbum da Família Poltronieri
Depoimento recolhido e interpretado por Gabriela Poltronieri Lenzi, colaboradora do MIMo
Na estante, a fotografia de um tempo passado, do qual não se faz parte, mas que conta sua própria história. E nada mais certeiro do que os objetos, não para somente contá-la, mas constatá-la e confirmá-la. Para Halbwachs, os objetos “[…] são uma espécie de companhia silenciosa e imóvel, estranha à nossa agitação e às nossas mudanças de humor, e nos dão uma sensação de ordem e tranquilidade.” (2006, p. 157)
Com o auxílio dos objetos, uma história bem contata e bem imaginada se transforma em memória própria, real e fresca, capaz de tornar o ouvinte plenamente participante e incorporado a ela. Por meio da fotografia da estante e de relatos plenamente participantes, contar-se-á uma história de amor cercada por cortes de tecido, companheirismo, moda e respeito.
Miranda conheceu Luiz ao voltar para casa após a Missa de Domingo de Ramos, em 10 de abril de 1949. Santa Maria é uma comunidade cujos habitantes são, em sua maioria, imigrantes italianos que lá chegaram na segunda metade do século XIX, situada no alto de uma montanha na Região do Médio Vale em Santa Catarina. Esse foi o cenário para o amor de Miranda e Luiz. A língua desse amor foi um dialeto do norte da Itália, língua madre de ambos que, já no primeiro encontro, deu forma às ideias e aos pensamentos. Luiz sempre dizia: “- Eu gostei da conversa dela já no primeiro dia.” E foi por isso que ele, recém-chegado do serviço militar, elegeu a faladeira e expressiva Miranda para sua esposa.
O primeiro presente veio no Natal daquele mesmo ano. “- Um corte de seda para fazer um vestido”, explica Miranda, risonha com as bochechas rosadas de vergonha. Além da seda, perfumes e uma fita de veludo para prender os cabelos. Luiz gostava não somente de mimar sua namorada, mas também era um apreciador das belezas. Por isso, as roupas e a moda tinham um lugar de destaque no seu conceito. Todavia, naquele momento da vida, Luiz era “proprietário” de somente duas calças velhas, poucas camisas e um paletó. Certamente, pela vida simples e humilde no interior em que viviam, as dificuldades para conseguir comprar os tecidos eram maiores e, por esse motivo, o esforço dele em presentear sua amada com um corte demonstra seu zelo e carinho.
No Natal de 1950, Miranda recebe de Luiz o seu segundo corte de tecido. “- Era um corte para fazer outro vestido”, conta Miranda com animação, pois o corte não era para uma camisa ou uma saia, mas era novamente para um vestido inteiro, o que demonstrava certa ostentação, visto que a quantidade de pano para a confecção de um vestido é geralmente maior. Esse corte era de um veludo em cor bordô que foi costurado pela Senhora Filomena, referência em costura em Santa Maria. Miranda inaugura seu vestido na Festa da Igreja da comunidade e, nesse mesmo dia, Luiz a chama e coloca em seu pescoço um colar de pérolas com três voltas.
A segunda vez que Miranda usa o vestido é no casamento de seu irmão Mário, em 14 de julho de 1951, conforme se vê na fotografia acima. Luiz, que está ao lado de Miranda na imagem, veste um terno costurado pelo irmão dela, o Narciso, que era alfaiate. Seu terno era azul-marinho e, assim como Miranda, era a segunda vez que usava a roupa. Ambos tinham essa flor na lapela, pois eram padrinhos do casamento. A fotografia foi feita em frente à casa do fotógrafo, na cidade de Benedito Novo. Noivos e padrinhos faziam um pit stop para capturar suas imagens e transformá-las em fotografia, congelando o momento em uma tentativa de eternizá-lo. Um dado curioso a respeito dessa fotografia é que as mãos dos enamorados, especialmente as dela, ficaram para trás, pois os pais de Miranda ficariam escandalizados com qualquer aparente toque ou encostada.
Enquanto solteira, Miranda nunca pôde usar camisas ou vestidos de mangas curtas, e suas saias tinham que seguir um comprimento padrão. Maquiagens e decotes nem em pensamento! Essas eram as ordens passadas por seus pais. No entanto, ao casar-se com Luiz, ela passa a usar mangas curtas, maquiagem e, com os anos, praticamente abandona os vestidos e adere às calças, mesmo que um pouco contrariada no início. Como não poderia ser diferente, Miranda ganha de presente do esposo suas primeiras calças compridas.
Essas breves evidências ora apresentadas envolvendo o amor de Luiz e Miranda revelam que, por meio de objetos da indumentária, os signos dessa relação criam-se e tomam forma. Nesse momento da vida de Miranda, o corpo feminino vestido, ainda envolto em regras extremamente machistas, é abrigado pela liberdade e pelo respeito de uma tentativa suave de liberdade de expressão. Esse amor companheiro e respeitador, aqui expresso pela moda, é o reflexo de uma vida também de respeito, especialmente, do respeito à mulher e ao feminino.
Luiz faleceu em 23 de maio deste ano, com 86 anos de idade. Luiz e Miranda foram companheiros por 66 anos, e Luiz, até os últimos dias de sua vida, elogiou sua amada pela roupa que vestia, pelo cabelo que havia arrumado e pela mulher que ela é. Juntos, criaram uma família matriarcal, comandada até hoje pela Dona Miranda, minha nonna.
Referências
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006.